Industrialização com planejamento soberano: o único caminho para a economia nacional

Industrialização com planejamento soberano: o único caminho para a economia nacional

Um país sem indústria é um país fraco. País fraco depende da indústria de outros países. Em todas as cadeias de valor, quem tem impõe e quem não tem recebe a imposição.

Por vezes um “chavão mal visto” pode ser um conceito-chave tornado “obsoleto” no jogo de linguagens difundido pelos laboratórios de ideias (think tanks) pregando 24 horas por dia a subordinação através da desindustrialização. País forte tem indústria forte, simples assim. País fraco tem indústria fraca, triste assim. País subordinado tem seus preços determinados, país soberano consegue se colocar como parte da definição de preços das cadeias internacionais. Não há como desvincular qualquer processo produtivo dos sistemas decisórios e quanto mais complexa for a cadeia de valor, mais importante e delicada será  a instância decisória. No plano máximo, a política econômica determina a distribuição de riquezas em uma sociedade. E, um sistema nacional de economia política garante ou não a produção destas riquezas.

Parece óbvio, mas o óbvio se torna transformador quando nem isso acontece e menos ainda é falado, ou recomendado. Enquanto “analistas” avaliam se o “mercado está calmo ou nervoso” e outras besteiras são repetidas nas editorias de “economia” (melhor seria afirmar, de especulação), o Brasil vai se dando conta da relevância da indústria de base, de transformação e de ponta, incluindo a urgente e necessária químico-farmacêutica. Olha para a China fingindo não ver o processo de industrialização pelo qual passamos no século XX e, pasmem, os mandarins da Era Deng vieram aprender o desenvolvimento acelerado deste país.

Nada surpreende para quem conhece. Porque a “surpreendente” indústria desenvolvida nos países do Leste Asiático segue as adaptações desse caminho já traçado em outros territórios soberanos, Brasil incluído (https://monitormercantil.com.br/chutando-a-escada/). Nada disso “estava escrito” e é preciso operar com um arranjo interno e decisão estratégica para atingir o desenvolvimento industrial em amplas áreas, chegando ao Estado  da Arte nas mais sensíveis cadeias de valor. Vale ouvir quem sabe e entende. Segundo Irineu Soares, membro do Conselho do Clube de Engenharia e engenheiro aposentado da Petrobrás:

Com relação à tecnologia, verifica-se ainda a importância do papel das empresas genuinamente nacionais no desenvolvimento, em virtude de contribuir para a produção de produtos de maior valor agregado, por meio de um processo orgânico, sistêmico, para o aumento qualitativo e quantitativo do PIB, e também para o PIB per capita. A este respeito, em artigo relativamente recente, Ha-Joon Chang, economista coreano que é professor da Universidade de Cambridge, mostrou que, na década de 1960, o PIB do Brasil era maior do que o dos Tigres Asiáticos somados, sendo atualmente um percentual deste, o que ele atribuiu ao maior desenvolvimento tecnológico daqueles países. (http://portalclubedeengenharia.org.br/2018/10/26/tecnologia-engenharia-e-tributacao-para-o-desenvolvimento/).

Como se deu esta perda de posições? Em parte pela inércia de gigantes integrando-se no capitalismo transnacional, especificamente me referindo à China após o início da Era Deng. Outro fator importante é o eixo da Guerra Fria no espaço ampliado da Ásia Pacífico, tomando por base o desenvolvimento acelerado e a migração da manufatura do Japão para os Tigres Asiáticos nos anos ’80 - como Hong Kong, Taiwan, Cingapura e a liderança da Coreia do Sul. Com ou sem inércia, com ou sem a presença de tropas dos EUA, a parte sul da Península Coreana, sob a tensão permanente antes e após a Guerra de 1950 a 1953, cresceu sob o controle de cinco planos quinquenais (1962-1987). Jamais defenderei governos ditatoriais como o período do general Park Chung-hee, ou os corruptos que o precederam e menos ainda os assassinos que o sucederam. Mas, reforçando a ideia do primeiro autor citado, o Brasil teve um ciclo de crescimento e desenvolvimento com um Sistema Nacional de Economia Política, cada vez mais avançado, operando de 1938 a 1980 (com e sem Vargas, com e sem democracia liberal). Portanto, alguns fundamentos da economia do desenvolvimento e a necessidade de uma ampla base industrial é necessidade ímpar para toda e qualquer sociedade moderna sob todas as formas de sistemas de poder da vida em sociedade e modelos econômicos.

Ainda segundo Irineu Soares, ampliando a trama da relação da engenharia e desenvolvimento:

“...um plano de desenvolvimento consistente deve contemplar a integração de investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico ao desenvolvimento industrial.

Somente com esta integração é possível alcançar a autonomia tecnológica que permite o desenvolvimento local de produtos e processos, de forma a alcançar um perfil de PIB com grande conteúdo tecnológico e, consequentemente, de maior valor agregado. Desta forma  o objetivo do país não deve ser o de participar de forma secundária, de cadeias globais de produção, executando apenas tarefas de menor valor agregado, tais como fabricação de produtos com tecnologia e projeto estrangeiros”. (http://portalclubedeengenharia.org.br/2018/10/26/tecnologia-engenharia-e-tributacao-para-o-desenvolvimento/).

Muitas vezes a única forma de evitar a participação secundária é apostar em formas mais ousadas para além do aprendizado. Investir 2 a 3% em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), além da educação em todos os níveis, é o mínimo. Outra etapa, contínua e não excludente é a de apontar os setores mais importantes a serem desenvolvidos e fazer de tudo para alcançar essas metas. Como objetivo permanente, uma meta estratégica com pontos alcançáveis e com prazos a serem definidos como prioridade em todos os níveis. Observando a história da corrida industrial do mundo e pelos segredos ou patentes mais importantes, vale quase tudo para isso.

O Brasil tem ampla trajetória na educação sanitária, na medicina pública e na ampliação da cobertura de vacinas no país. Algo semelhante ocorreu com a conquista do Petróleo, primeiro com a campanha da nacionalização das reservas do combustível fóssil no país e depois no desenvolvimento de tecnologias de exploração em águas profundas e ultra-profundas; além do ciclo do refino, ainda incompleto. Evidente que ambas as conquistas são alvo do ódio dos entreguistas e colonialistas de sempre.

Outro avanço importante se deu no complexo aeroespacial, também alvo de desmonte e entrega para o capital transnacional. Os três complexos industriais são alvo constante de desinformação, ódio permanente dos “economistas” neoliberais vinculados aos capitais especulativos parasitários. Já o “modelo” de desenvolvimento automotivo, associado aos capitais das transnacionais já no governo JK -  indo ao encontro  do então secretário de Estado dos EUA, John Foster Dulles – demonstra a sua fragilidade ao não deter tecnologia 100% nacional ou quiçá associada. Mais de meio século depois, todo o setor entra em crise e as iniciativas de um automóvel  brasileiro pararam em após o boom dos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) da ditadura militar na década de 1970.

Antes o modelo brasileiro de desenvolvimento associado com as sistemistas de autopeças do que o modelo mexicano integrado da NAFTA, com a maldição das “maquiladoras”, simples montadoras de peças vindas do estrangeiro. O tecido social produtivo ao redor das “maquilas” em frangalhos, direitos trabalhistas quase extintos e a pressão  do capital  sobre a sociedade em níveis absurdos -  com as práticas da economia do crime nos carteis associadas com os grandes capitais operando no norte mexicano.

Parece outra obviedade, mas qualquer modelo de industrialização é melhor do que nenhum modelo. Dentro desta “modelagem”, o desenvolvimento com ares de Celso Furtado, onde a cultura tem papel central e a meta é atingir os patamares básicos para a soberania do território e de seu povo. Qualquer um que pense no “deixar fazer”, na “exuberância irracional dos mercados” (solene asneira cínica dita pelo ex-presidente do Banco Central dos EUA, o Fed, então capitaneado por Alan Greenspan) ou na “autonomização da economia diante da política”. Toda estupidez do tipo “menos Brasília, mais Brasil” é apenas o caminho mais curto para não sairmos do lugar no momento pós-pandemia.

Um crescimento econômico com base no desenvolvimento soberano e sustentável, necessita de instâncias de coordenação política e efetividade. Algo muito distante do não governo, do desgoverno ou da chantagem sistemática de parasitas e especuladores, encastelados no “super” Ministério da Economia, desgovernado pelo admirador de Pinochet e Chicago Boy raiz, o horroroso Paulo Guedes. Qualquer ilusão premeditada pelos “especialistas” em não produzir sequer um parafuso vai simplesmente dar em mais desemprego e subemprego estrutural, além de, obviamente, mais desindustrialização.

Ou o Brasil enfrenta a necessidade de um planejamento econômico para a retomada industrial, ou a tendência é ampliar a condição primária exportadora com mais e mais fragilidades.

Bruno Beaklini (Bruno Lima Rocha Beaklini) é cientista político e professor de relações internacionais com estágio pós-doutoral em economia política; de origem árabe-brasileira, editor dos canais do Estratégia & Análise Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. | facebook.com/blimarocha

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Bruno Lima

Professor de ciência política e de relações internacionais

Formação

Professor de ciência política e de relações internacionais

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Bruno Lima Rocha, doutor em ciência política, jornalista e professor de Relações Internacionais, leciona Relações Internacionais, Ciência Política e Jornalismo e dita os canais Estratégia & Análise, Blog, Twitter e Youtube.

Nascido em 14 de julho de 1972, Bruno Lima Rocha é carioca de origem e gaúcho por adoção, iniciou sua vida política ainda secundarista, em 1988. É formado em jornalismo pela UFRJ, mestre e doutor em ciência política pela UFRGS. Concentra seu trabalho nas áreas de movimentos populares, organizações políticas, análise estratégica, estudos dos órgãos de inteligência e economia política da comunicação.

É autor de cinco livros, dentre estes o "O Grampo do BNDES" (editora Sotese/2003), da dissertação de mestrado e livro "A Polícia Federal após a Constituição de 1988" (PPG Política/UFRGS/2004) e da tese "A Interdependência Estrutural das Três Esferas: uma análise libertária da Organização Política para a radicalização democrática" (PPG Política/UFRGS/2009). Foi bolsista CAPES durante os cursos de mestrado e doutorado em Ciência Política na UFRGS.

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Bruno Lima Rocha, doutor em ciência política, jornalista e professor de Relações Internacionais, leciona Relações Internacionais, Ciência Política e Jornalismo e dita os canais Estratégia & Análise, Blog, Twitter e Youtube.

Nascido em 14 de julho de 1972, Bruno Lima Rocha é carioca de origem e gaúcho por adoção, iniciou sua vida política ainda secundarista, em 1988. É formado em jornalismo pela UFRJ, mestre e doutor em ciência política pela UFRGS. Concentra seu trabalho nas áreas de movimentos populares, organizações políticas, análise estratégica, estudos dos órgãos de inteligência e economia política da comunicação.

É autor de cinco livros, dentre estes o "O Grampo do BNDES" (editora Sotese/2003), da dissertação de mestrado e livro "A Polícia Federal após a Constituição de 1988" (PPG Política/UFRGS/2004) e da tese "A Interdependência Estrutural das Três Esferas: uma análise libertária da Organização Política para a radicalização democrática" (PPG Política/UFRGS/2009). Foi bolsista CAPES durante os cursos de mestrado e doutorado em Ciência Política na UFRGS.

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