Avião monomotor que atropelou um gado
Avião monomotor que atropelou um gado

O incrível caso do avião monomotor que atropelou um gado bovino no Pará

Este é mais um daqueles casos de acidentes improváveis que se você resolver contar na mesa de bar, vai te gerar piadas, senão a pecha de terraplanista, contudo decidi falar sobre ele na Revista Manutenção, unicamente porque há uma incoerência no relatório final que precisa ser evidenciada e discutida.

 Resumo 

No dia 29/09/2020, a aeronave PT-NDL, que está registrada em nome de Isidoro Celso dos Santos, decolou do Aeródromo Vale do Curuá (SDUA), Novo Progresso, PA, com destino ao Aeródromo Independência (SITT), Itaituba, PA, por volta das 17h55min (UTC), para um voo privado de transporte, com um piloto e um passageiro a bordo. Após a decolagem, a aeronave perdeu potência e o piloto realizou o pouso em área de pastagem, durante o qual houve a colisão contra um gado bovino. A aeronave ficou destruída. O tripulante e o passageiro saíram ilesos.

De acordo com o relatório oficial a autoridade de investigação SIPAER tomou conhecimento da ocorrência por meio das redes sociais, 24 horas após o acidente e a aeronave foi removida do local sem autorização da autoridade SIPAER.

 Opinião 

O que por sí só, é capaz de fazer o mais desatento dos analistas, conjecturar sobre a possibilidade de que houve neste caso, uma tentativa de omitir o acidente das autoridades, provavelmente devido a situação irregular da aeronave.

Óbviamente que o piloto (operador) foi negligente e irresponsável, ao se permitir realizar a condução de aeronave não aeronavegável, com o agravante de que esta seria a primeira vez na qual ele operava como Piloto em Comando a aeronave modelo EMB-710C, somando, portanto, dois fatores de risco, que contribuiram determinantemente para a queda da aeronave, que foram respectivamente a NEGLIGÊNCIA e a FALTA DE EXPERIÊNCIA do profissional, cuja licença foi obtida em 31JUL2019, ou seja, aproximadamente um ano antes do acidente.

Contudo, apesar de todas as evidências contidas no relatório final, e da possibilidade da aeronave ter sido operada com peso acima da capacidade nominal, o relatório final apresenta a MANUTENÇÃO como fator contribuinte, onde deveria constar NEGLIGÊNCIA DO PROPRIETÁRIO E DO OPERADOR, uma vez que o próprio relatório aponta a manutenção de forma evasiva, ao descrever a CAUSA como INDETERMINADA.

 Informações extraoficiais 

Segundo informações extra oficiais a aeronave que pertencia a agência de voos denominada Metralha, tinha como destino o Garimpo São Raimundo, e estava carregada de alimentos, que abasteceriam o Garimpo, sendo que o relatório oficial não possui informação acerca do peso da carga de alimentos, que não poderia ser superior a carga útil de 610kg, conferida a esse modelo de aeronave, considerando inclusive o peso da tripulação e passageiros.

ADVERTÊNCIA O único objetivo das investigações realizadas pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) é a prevenção de futuros acidentes aeronáuticos. De acordo com o Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional (Convenção de Chicago) de 1944, da qual o Brasil é país signatário, não é propósito desta atividade determinar culpa ou responsabilidade. Este Relatório Final Simplificado, cuja conclusão baseia-se em fatos, hipóteses ou na combinação de ambos, objetiva exclusivamente a prevenção de acidentes aeronáuticos. O uso deste Relatório Final Simplificado para qualquer outro propósito poderá induzir a interpretações errôneas e trazer efeitos adversos à Prevenção de Acidentes Aeronáuticos. Este Relatório Final Simplificado é elaborado com base na coleta de dados, conforme previsto na NSCA 3-13 (Protocolos de Investigação de Ocorrências Aeronáuticas da Aviação Civil conduzidas pelo Estado Brasileiro)

Voo 055 FL055

 RELATÓRIO FINAL SIMPLIFICADO 

 COMANDO DA AERONÁUTICA 

 

 1.1. Histórico do voo 

A aeronave decolou do Aeródromo Vale do Curuá (SDUA), Novo Progresso, PA, com destino ao Aeródromo Independência (SITT), Itaituba, PA, por volta das 17h55min (UTC), para um voo privado de transporte, com um piloto e um passageiro a bordo.

Após a decolagem, a aeronave perdeu potência e o piloto realizou o pouso em área de pastagem, durante o qual houve a colisão contra gado bovino.

EMBRAER 710CFigura 1 - Vista lateral dianteira esquerda do PT-NDL.

A aeronave ficou destruída. O tripulante e o passageiro saíram ilesos.

 2. ANÁLISE (Comentários / Pesquisas) 

A Autoridade de Investigação SIPAER tomou conhecimento da ocorrência por meio das redes sociais, 24 horas após o acidente e a aeronave foi removida do local sem autorização da autoridade SIPAER.

Tratava-se de um voo privado, no qual houve a falha do motor após a decolagem de SDUA. Durante o pouso, a aeronave colidiu contra um gado bovino e foi consumida pelo fogo.

Trajetoria da aeronaveFigura 2 - Croqui do acidente do PT-NDL.

O Aeródromo Vale do Curuá (SDUA) era privado, com pista de cascalho de 700x20m, cabeceiras 09/27, com elevação de 738ft e operava VFR diurno.

O piloto possuía a licença de Piloto Privado - Avião (PPR) e estava com a habilitação de Avião Monomotor Terrestre (MNTE) válida. Ele obteve a licença em 31JUL2019. Esta era a primeira vez em que ele operava como Piloto em Comando naquele modelo de aeronave.

O piloto estava com o Certificado Médico Aeronáutico (CMA) válido.

A aeronave, modelo EMB-710C, número de série (NS) 710058, foi fabricada pela Neiva, em 1976, e estava registrada na Categoria de Serviços Aéreos Privados (TPP).

As cadernetas de célula, motor e hélice não foram apresentadas, pois foram consumidas pelo fogo, segundo relato do piloto.

Segundo as informações fornecidas pelo Sistema Integrado de Informações da Aviação Civil (SACI) da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), a aeronave estava com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) vencido desde 31DEZ2012 e o Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) vencido desde 20MAR1999.

O Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) nº 91, “Subparte A - Geral”, em vigor à época do acidente, registrava que:

91.7 - AERONAVEGABILIDADE DE AERONAVE CIVIL (a) Somente é permitido operar uma aeronave civil se ela estiver em condições aeronavegáveis.

O RBAC nº 91, “Subparte E - Manutenção, Manutenção Preventiva e Alterações” trazia ainda que:

91.403 - DISPOSIÇÕES GERAIS [...] (f) Somente é permitido operar uma aeronave segundo este Regulamento se o operador tiver apresentado à ANAC um CVA na forma estabelecida pela regulamentação vigente para a referida aeronave nos últimos 12 meses.

Portanto, constatou-se que a operação com a aeronave não aeronavegável estava em desacordo com as legislações aeronáuticas em vigor, podendo implicar níveis de segurança abaixo dos mínimos aceitáveis estabelecidos pelo Estado Brasileiro.

Ao se deixar de atender aos níveis mínimos de segurança definidos pelo Estado Brasileiro, garantidos por meio do cumprimento dos Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil (RBAC), podem-se criar condições inseguras latentes as quais deverão ser eliminadas ou mitigadas por meio do cumprimento da própria regulamentação.

 3. CONCLUSÕES 

 3.1. Fatos 
a) a Autoridade de Investigação SIPAER tomou conhecimento da ocorrência por meio das redes sociais, 24 horas após o acidente;
b) a aeronave foi removida sem autorização da Autoridade de Investigação SIPAER;
c) o piloto estava com o Certificado Médico Aeronáutico (CMA) válido;
d) o piloto estava com a habilitação de Avião Monomotor Terrestre (MNTE) válida;
e) esta seria a primeira vez na qual o piloto operava como Piloto em Comando neste modelo de aeronave;
f) as escriturações das cadernetas de célula, motor e hélice não foram apresentadas;
g) a aeronave estava com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) vencido desde 31DEZ2012 e o Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) vencido desde 20MAR1999;
h) a aeronave não se encontrava em condições aeronavegáveis;
i) a aeronave ficou destruída; e
j) o piloto e o passageiro saíram ilesos.
 3.2 Fatores Contribuintes 
  • Manutenção da aeronave - indeterminado; e
  • Pouca experiência do piloto - indeterminado.

 4. RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA 

À Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), recomenda-se:

A-117/CENIPA/2020 - 01 Emitida em: 08/07/2021

Divulgar os ensinamentos colhidos na presente investigação, com a finalidade de alertar os operadores de aeronaves, quanto aos riscos associados à operação de aeronaves sem a fiel observância dos regulamentos relativos à aeronavegabilidade continuada.

 5. AÇÕES CORRETIVAS OU PREVENTIVAS ADOTADAS 

Nada a relatar.
Em, 08 de julho de 2021. CENIPA

 

Fauzi Mendonça

Engenheiro em Eletrônica

Especializações

Manutenção e Confiabilidade

Redes sociais

Fundador, Diretor Editorial e Colunista da Revista Manutenção, escreve regularmente sobre diversos assuntos relacionados ao cotidiano da Engenharia, Confiabilidade, Gestão de Ativos e Manutenção.

Desenvolvedor Web e Webdesigner, é responsável pelo design, layout, diagramação, identidade visual e logomarca da Revista Manutenção.

Profissional graduado em Engenharia Eletrônica com ênfase em automação e controle industrial, pós graduado em Engenharia de Manutenção, pela Faculdade Anhanguera de Tecnologia (FAT) de São Bernardo e em Engenharia de Confiabilidade, pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).

Profissional atua há mais de vinte (20) anos com Planejamento e Controle de Manutenção (PCM), em empresas de médio e grande porte, nacionais e multinacionais, onde edificou carreira profissional como Técnico, Programador, Planejador, Analista e Coordenador de PCM.


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