ESG na indústria: desafios na regulamentação e benefícios

ESG na indústria: desafios na regulamentação e benefícios

Em tempos de mudança climática, crises sociais e financeiras, a preocupação com o futuro se torna cada vez maior. Nos últimos anos, a integração dos princípios ESG (Ambiental, Social e Governança) nas práticas empresariais ganhou destaque significativo, mudando a maneira que as indústrias operam e se relacionam com o mundo e as comunidades ao redor. 

Os princípios por trás da sigla têm mudado a paisagem empresarial e impulsionado transformações importantes em direção a uma abordagem mais sustentável, ética e transparente. Falamos com especialistas e pessoas que estão na linha de frente da integração dos princípios ESG na indústria a respeito da crescente importância dessas diretrizes, os desafios enfrentados durante a implementação e as tendências futuras.

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Entendendo os Princípios ESG

Os princípios ESG são uma tríade de fatores fundamentais pelos quais as empresas avaliam e comunicam o impacto em pilares que se encaixam em três aspectos: ambientais, sociais e de governança.

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  • O pilar ambiental diz respeito às ações de uma empresa em relação aos recursos naturais e ao meio ambiente. Isso inclui a redução das emissões de carbono, a conservação da água, a gestão de resíduos e a adoção de práticas de energia limpa.
  • O pilar social se concentra nas relações da empresa com os funcionários, clientes, comunidades e outras partes interessadas. Questões de diversidade, inclusão, direitos humanos, saúde e segurança dos trabalhadores e relações trabalhistas estão dentro dessa área. 
  • Por fim, o pilar de governança trata da estrutura de liderança e tomada de decisões dentro da empresa. A transparência, a prestação de contas, a independência dos conselhos e a prevenção de corrupção são alguns dos exemplos.

Decisões baseadas em dados

“Por muitos anos, o homem se valeu de um modelo de capitalismo onde a única preocupação era com o lucro dos acionistas (capitalismo de shareholder)”, explica Patrícia Almeida, doutora em Ciências da Engenharia Ambiental e professora na Fundação Getúlio Vargas - FGV. “Esse capitalismo não levou em consideração o esgotamento dos recursos naturais, as desigualdades sociais e nos levou a três crises planetárias: as mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e a poluição”, completa.

ESG envolve necessariamente uma mudança drástica de pensamento: em vez de priorizar os interesses dos acionistas em primeiro lugar, um olhar mais amplo e preocupado com os impactos do negócio é necessário. “Responsabilidade por sua cadeia de valor, internalizando as externalidades negativas nos processos decisórios”, explica Patrícia.

Denis Escudeiro Pereira, Plant Manager na Continental, aponta um norte para as empresas que querem iniciar a integração: “As ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis) são a base para orientar as empresas que caminho devem seguir para fazer essa integração; tendo a compreensão das suas oportunidades e das responsabilidades que a empresa tem nesse ambiente, certamente a integração dessas políticas se tornará mais exequível para a organização”.

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“Significa ter bons relacionamentos com os clientes, fornecedores, colaboradores e a comunidade na qual [a empresa] está inserida. Minimizando os impactos negativos e maximizando os aspectos positivos, em uma geração de valor compartilhado. Ganham os acionistas, mas clientes, fornecedores, colaboradores, comunidade e planeta também ficam satisfeitos”, analisa.

ESG na Indústria

De acordo com dados de uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), 49%, de 100 empresas pesquisadas, já estão comprometidas formalmente em integrar os critérios ESG à estratégia corporativa. Outros 32% têm planos para começar a integração, mas ainda não formalizaram.

Entre os critérios que surgem com maior relevância para os pesquisados, a Saúde e Segurança, no pilar social, é o mais prevalente, com mais de 90% dos respondentes indicando como o principal. A Gestão de Resíduos, no pilar Ambiental, e Código de Conduta, no pilar da Governança, também têm força, assim como as Relações Trabalhistas, voltando ao Social.

“Uso eficiente e responsável da água, circularidade na gestão de resíduos - onde o resíduo de um produto seja matéria-prima de outro processo, com igual valor”, exemplifica Patrícia.

Para nortear as estratégias, as empresas pesquisadas precisam de referências, que encontram em três documentos principais: os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU, e o ISO 1400 são as duas referências mais citadas pelas empresas que já incluíram ESG na estratégia, com a Global Reporting Initiative (GRI) também mencionada pela maioria.

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O fortalecimento do relacionamento com os stakeholders aparece como principal motivo para a integração, seguido do uso sustentável dos recursos naturais. Logo abaixo, a melhoria na gestão de riscos corporativos.

Setores devem encontrar desafios, mas também vantagens

 

A integração de práticas ESG pode ser particularmente desafiadora em certos setores industriais. Por exemplo, indústrias com uso intensivo de recursos naturais enfrentam obstáculos na redução de resíduos e emissões de carbono. No entanto, essas empresas são também as que têm a oportunidade de desencadear mudanças significativas, implementando tecnologias mais limpas e eficientes.

“Os setores mais difíceis são aqueles envolvidos em produção e uso de combustíveis fósseis”, opina Patrícia. “O mundo caminha para a descarbonização. Nós temos o Acordo de Paris, onde os países, por meio de suas contribuições nacionalmente aceitas (NDCs) se comprometeram a chegar a 2100 com um aumento de temperatura máximo de 2.ºC, com esforço para que se mantenha em 1,5º C, quando comparado com os níveis pré-industriais”.

Denis opina que outros fatores impactam mais do que o setor em que a empresa se encaixa: “Não vejo que a dificuldade da integração esteja relacionada ao setor que deseja seguir com a implementação de políticas ESG, mas sim como as empresas definem que ações que serão tomadas para a implantação dos critérios de ESG de maneira integrada ao seu planejamento estratégico”.

A indústria de mineração, historicamente associada a impactos ambientais negativos, está explorando maneiras de operar de forma mais sustentável, por meio de práticas como a recuperação de áreas mineradas e a adoção de tecnologias de baixo impacto ambiental. Da mesma forma, o setor de construção está avançando em direção a materiais mais sustentáveis e processos de construção energeticamente eficientes.

Por outro lado, para Patrícia, as empresas que conseguirem dar os primeiros passos mais rapidamente, mantendo a efetividade, são as que devem se dar melhor. “[Os setores] que conseguirem fazer essa transição energética, na iminência de um mercado regulado de carbono aqui no Brasil, os setores que conseguirem descarbonizar e que trabalharem com tecnologias ecoeficientes. Ou seja, que façam a mesma coisa reduzindo o uso de recursos naturais e energia”, lista.

ESG traz benefícios financeiros consideráveis

As empresas industriais que abraçam os princípios ESG estão descobrindo que as recompensas vão além do impacto ambiental e social positivo. Um dos principais benefícios relatados pelas empresas que já incluíram ESG nas estratégias é a mitigação de riscos, que tem um impacto direto na atração de investimentos. Outro resultado que impacta positivamente nesse sentido é a valorização da marca, que passa a se posicionar de maneira mais sustentável.

Os resultados também se refletem internamente. “É claro, são os clientes que trazem o dinheiro para o seu negócio. Mas são os colaboradores que agregam valor. Como vender mais com colaboradores desmotivados, sem engajamento, infelizes, com crise de ansiedade, Burnout?”, questiona Patrícia.

A adoção de práticas ESG pode levar também a eficiências operacionais. A redução do consumo de recursos naturais e a otimização dos processos produtivos não apenas beneficiam o meio ambiente, mas também reduzem custos e aumentam a margem de lucro.

Denis aponta que a mudança na imagem da empresa, além de alcançar novos públicos, atrai investidores. “Já existem muitos grupos de investidores que oferecem melhores linhas de créditos às empresas que já adotaram as práticas ESG e algumas dessas empresas que operam em bolsas de valores já tem sua performance medida também levando em consideração à sua aderência as iniciativas ESG”, explica.

Com a mudança da imagem da empresa, ela pode alcançar novos públicos, principalmente quando se preocupa com questões sociais, uma parte importante das práticas ESG. Patrícia analisa: “São pautas que estão em voga na sociedade e as empresas têm que se preocupar com a equidade de gênero, racial e de todos os demais grupos vulnerabilizados”.

Desafios na Implementação

Empresas de grande porte, com maior disponibilidade financeira e estruturas já existentes, são as que conseguem dar um salto inicial mais facilmente. No entanto, mesmo para aquelas que já incluíram os critérios como estratégia, a falta de informação aparece como grande obstáculo.

“Acredito que a dificuldade dessa integração também está ligada à ambição da empresa, sendo assim a definição de prioridades, metas (tangíveis) à médio e longo prazo também auxiliará nesse processo de implantação”, aponta Denis. “Considerando que essa jornada não se restrinja apenas aos níveis gerenciais de uma organização é de extrema importância que esse compromisso seja anunciado e intensivamente divulgado a todos os entes envolvidos no negócio”.

A falta de recursos humanos dedicados ao tema, falta de entendimento sobre os critérios e maneiras de instituí-los são os grandes vilões, citados tanto por aquelas que já estão com os primeiros passos dados em relação a ESG quanto pelas que ainda buscam maneiras de viabilizar. Ambas também citam os custos elevados da integração como um problema.

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“Os setores que melhor se adaptarem às exigências da nova economia, mais chances terão de se manterem competitivos. Mas que fique claro, ESG é processo e, não, linha de chegada”, explica Patrícia. De acordo com ela, os primeiros passos da integração são muito claros: “A empresa faz sua matriz de materialidade (analisa os impactos mais prováveis ao seu negócio), discute e analisa com seus stakeholders (partes interessadas) o alinhamento de expectativas e escolhe sua espinha dorsal. Ou seja, por onde começará agir em um processo de melhoria contínua e ampliação de parâmetros”.

Na pesquisa da CNI, principalmente para as empresas que já iniciaram a integração, encontrar fornecedores que também cumpram os critérios é um desafio à parte. Em setores com muitas especificidades, é ainda mais complicado. “Não adianta a empresa falar que não tem trabalho análogo à escravidão, mas na sua cadeia de fornecimento ter”, destaca Patrícia.

Denis aponta possíveis soluções para essa dificuldade de alinhar as prioridades com fornecedores e parceiros. “Essa ainda é uma realidade para a indústria aqui no Brasil, mas observa se uma grande movimentação em muitas empresas de médio e pequeno porte para se adequarem às iniciativas ESG, reduzindo essa fragilidade na cadeia de suprimentos, que pode impactar nos negócios e reputação dos seus parceiros”, explica. Cabe também às empresas maiores e já mais avançadas no processo construir uma rede: “Para que essa discrepância na implementação do ESG entre as organizações seja minimizada, organizações que já tenham melhor incorporado esses princípios devem reforçar as importância dessa transição para seus parceiros e de uma forma estruturada promover o compartilhamento das boas práticas e os resultados obtidos seguindo essa abordagem”.

Para empresas que ainda não iniciaram a formalização das estratégias, a falta de recursos financeiros é um destaque entre os obstáculos. E pode então parecer que existe um conflito entre essa redução dos impactos negativos e os lucros. Patrícia aponta uma alternativa: “Existe um conflito quando a empresa não tem dinheiro, mas ela pode começar pequeno. O importante é ter coragem para fazer as mudanças que se fazem necessárias”. E explica: “A empresa pode começar pequeno, mas trabalhar com o letramento e a sensibilização de seus colaboradores. Daí é importante que se ouça demandas, alinhe expectativas e, principalmente, pratique o ‘walk the talk’” - ou seja: é essencial que o que está sendo pregado seja também praticado.

Denis concorda que o conflito entre a efetividade financeira e as práticas ESG só ocorre quando a empresa não incorpora de maneira profunda os objetivos. “Se essas metas estiverem consideradas no Planejamento Estratégico da empresa, esse conflito não será tão significativo, pois elas já estarão contempladas na performance operacional da organização. Talvez a compreensão e entendimento do ‘Triple bottom line’ (conceito criado pelo britânico John Elkington em 1994) possa construir dentro das organizações uma visão mais sistêmica do tema ESG, mostrando que o crescimento econômico estará vinculado à preservação ambiental e o progresso social”.

A coleta de dados confiáveis para medir o progresso em relação aos objetivos ESG  é outro fator que pode ser complicado, especialmente em indústrias complexas, com cadeias de suprimentos extensas. A falta de padrões globais de relatórios dificulta a comparação entre empresas e setores.

Regulamentações e Tendências Futuras

À medida que a conscientização sobre as questões ESG aumenta, os governos e as organizações estão introduzindo regulamentações para impulsionar a adoção desses princípios. No Brasil, estamos ainda em fase de orientação, entendendo que trata-se de um momento de transição.

“O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) lançou a 6.ª edição do Código de Boas Práticas de Governança Corporativa que, diferentemente das outras versões, é um código mais principiológico, para que qualquer empresa possa se adequar por meio de seus fundamentos e valores, os quais são coerentes com as demandas da agenda ESG”, relembra Patrícia, citando o lançamento ocorrido em agosto de 2023.

Ela aponta também que desde 2020, o IBGC incentiva o uso de um outro documento. “A Agenda Positiva de Governança, uma agenda que inspira, inclui e transforma, com 6 pilares: ética e integridade, diversidade e inclusão, ambiental e social, inovação e transformação, transparência e prestação de contas e conselhos do futuro”.

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“A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) lançou em dezembro de 2022 a PR 2030, ou seja, uma Prática Recomendada da ABNT para as pequenas e médias empresas que estão querendo se adequar a essa agenda”, completa. Denis ainda lembra de um exemplo do exterior: “Iniciativas que vem surgindo, como o GDDL (Germany Due Diligence Law), também contribuirão para esse movimento, pois aquelas empresas que não se adequarem aos critérios ESG perderão muito do mercado que podem atender atualmente”.

É claro que a regulamentação não será a única pressão para a mudança. A crescente demanda dos consumidores por produtos e serviços sustentáveis também deve influenciar positivamente para que as empresas adotem práticas ESG.

“É um caminho sem volta. E as regulamentações têm caminhado nesse sentido”, conclui Patrícia.

À medida que os desafios globais, como as mudanças climáticas e a desigualdade social, se tornam mais urgentes, os princípios ESG estão emergindo como uma abordagem vital para o futuro da indústria e da raça humana. A incorporação desses princípios não apenas impulsiona a sustentabilidade a longo prazo, mas também traz vantagens financeiras e operacionais tangíveis. Apesar dos desafios, que persistem, a crescente conscientização, as regulamentações em evolução e as mudanças nas expectativas dos investidores estão moldando um futuro no qual as práticas ESG se tornarão uma norma, não apenas para empresas industriais, mas para todos os setores da economia global.

Escrito por: Leandro Fernandes 

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